Ultimamente venho sendo deliciosamente surpreendida com textos magníficos. A minha satisfação é tamanha que não poderia guardá-los apenas para mim, me acho na obrigação de publicá-los aqui, de mostrar a vocês. E farei isso sempre que tiver a portunidade. O texto que estou postando hoje é de um escritor que acompanho há algum tempinho e que você talvez já tenha ouvido falar ou lido algo escrito por ele: Fabrício Carpinejar!
O que nos leva a querer passar a vida inteira com alguém é um mistério.
Você pode fazer a lista infindável do que mais gosta de sua companhia e
do que menos gosta, mas nenhuma vai incluir a chave do relacionamento.
É um gesto, uma atitude, uma frase, algo que o toca em particular, que
fecha com aquilo que procurava inocentemente desde pequeno.
Meu amigo Felipe se apaixonou pelo jeito que a Fernanda colava o brinco
quebrado com bonder, mas ele não desconfia até hoje que foi isso.
Casou com ela depois de vê-la consertando a minúscula joia debaixo do abajur.
Ele briga, discute, discorda da esposa, porém jamais vai se separar.
Essa cena despertou uma necessidade incurável da presença dela.
É o motivo do apego irascível. Existiu um quebranto, uma hipnose
afetiva, talvez ele tenha se projetado no brinco (ela tentará me salvar
quando me quebrar), talvez tenha se enamorado das suas concentradas
mordidas de lábios.
O que posso garantir é que Felipe ficou alucinado de ternura: naquele
momento decidiu que ela era a mulher de sua vida. Em seu sangue, gravou
o rosto da jovem empenhada em salvar o brinco. Com o piscar das
pálpebras, tirou a fotografia fundadora do seu amor, um sudário que
preservará seu sentimento toda manhã
Ele mal sabe que o real motivo de sua emoção está no plastimodelismo da
infância. É bem capaz de nunca descobrir. Quando enfrentou catapora aos
10 anos, Felipe suportava sua solidão montando aviões. Grudava as
pequenas peças de plástico com cuidado para não borrar a cola e
estragar o encaixe. O brinco tornou-se mais um de seus aeroplanos.
Já vi gente que se uniu pelo modo de dobrar o guardanapo, pelo modo de
morder uma fruta, pelo modo de gritar de susto, pelo modo de amarrar os
cadarços.
Uma observação mínima acorda o inconsciente para sempre.
Quanto maior o amor, mais insignificante a origem.
Aceitaremos o cotidiano a dois sem determinar o porquê. Nossa decisão
está baseada apenas na intuição. Um movimento nos ofereceu segurança
para seguir em frente e aceitar o relacionamento.
Minha namorada tampouco supõe o começo de sua paixão por mim.
Inacreditavelmente, ela me ama pela forma em que tiro a camiseta. Com ambas as mãos, pelas costas, agarrando o tecido pela gola.
Ela acha o gesto protetor, viril, maiúsculo.
As mulheres se despem pela frente, de baixo para cima, levantando a blusa devagar e ritmado.
Como a maior parte dos homens, sou abrupto. Puxo a camiseta com força, livro-me dela, como um animal arrancando a pele.
Chega a ser cômico. E eu pensava que havia conquistado sua afeição com poemas.
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